segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Καλή Χρονιά 2013



graças ao cabaret
                                                             eram outros tempos
também
                                                                                                                                os campos de
             aqui estão as dançarinas
um sopro de cachimbo
                                                                                                                                                  gatos sorrateiros
                                 amanhã queres dormir comigo?
                                                                                                           é um banho de jasmim

perfume funâmbulo e gestos malabares                                         tempo de circo sombrio
                                                a escuridão dos tempos faz-se sensual

sempre assim

os relógios não aguentam a tesão das gentes, explodem algarismos em todas as direcções.
                       mesmo tarde é preciso viver com toda a gana de um instante vomitado do universo/prosa, até ser a hora.
                                                                                                      claro. o princípio e o fim. é inevitável.
                                  

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Aluga-se


Fernando Conde



onde antes havia uma casa
agora é um corpo enrugado
imobilizado pela cegueira
dos caminhos asfaltados.
é tudo ausência de planície
ou de barcos
hábito de um lugar sem nome
horizonte ao alcance das mãos
quarto desabitado.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

haveres

 
 

não serão cinco da tarde
 nem campos cor de limão
é um rio ou parede branca
é uma folha de cetim
é um riso de criança
é um sopro de jasmim
são palavras colhidas à toa
são penas de coração
plátanos abençoados
morangos leite e pão
já não há luzes na escada
nem vésperas de água cativa
não há sinos nem aldeias
não há princesas ou querubins
 

há apenas um golpe de asa
onde antes era um jardim.


sábado, 10 de novembro de 2012

Vila do Conde, talvez


Francisco Laranjo

(para o Paulo que me deu o mote e outras coisas)

Eu hoje estou com Hayden e sem lareira

                                                       Parece-me um bom começo para qualquer coisa. Ou um final. Como gosto dos textos: curtos e de portas abertas ao vento. Contrariando sistematicamente a velocidez deste tempo que teima em correr como se soubesse para onde. Eu ando de liteira, agora que se lembraram que afinal Camilo existe, embora não dissesse que não a um Chevrolet
Talvez encontrasse Llansol pelo caminho até Sintra e então os rabiscos deste caderno teriam um qualquer sentido. Os desenhos que não sei fazer nasceriam com certeza da caneta com a naturalidade de uma tisana sobre a chávena.
                                                                                                                      É tudo apenas uma questão de perspectiva. Representação outonal, atonal.
                                                                                                    (já não como chocolates, só porque o fígado não deixa) mas arranjarei uma secretária, em madeira bem maciça, para me ocupar o centro da vida. Ou da sala, se preferirem.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

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O Sacrifício de Isaac, Caravaggio


procura-se
um deus desempregado 
um profeta  
um salvador de almas
alguém que veja mais longe do que
as águias
ou seja mais veloz do que
a luz
um deus que reinstaure a tragédia
que lhe dê supremacia
face ao império da realidade
que seja capaz de castigar
e amedronte o género humano.

paga-se em sacrifícios carnais
e a pronto em horário normal
de expediente.

sábado, 22 de setembro de 2012

ocidental praia




este corpo
acanhado habitáculo
de uma cornucópia sentimental
definha ao sabor
das estrelas que vão surgindo
no horizonte decepado

vêm ossos vão barcos
em auto-estradas nocturnas
até que o vento
irrompa nórdico sobre
a planície do texto

a terra e o mar
confundem-se numa frase
conjuntiva à espera
do tempo de semear
frutos proibidos

domingo, 9 de setembro de 2012

Contrariedade



se um poeta tropeçasse neste quadro
citadino
não teria alexandrinos que chegassem para derramar
o seu azedume.

por isso iria provavelmente
beber cálices de absinto à mesa com Cesário
até que lhes acalmasse a cólera.

Que mundo! Coitadinho!

sábado, 11 de agosto de 2012

detritos



passei lá na Praia da da Boa Nova e conversei destemperadamente com António Nobre. confessei-lhe a minha paixão porque não duvido da sua fidelidade a
ali nos entregámos a diálogos
                                                    é assim que agora
        não mais, Musa, não mais.                                                        um selo desfez-se aos nossos olhos flamejantes das nuvens da galp
                                                                            embora, em boa hora tenhamos  encontrado a minha margarida. disse-lhe que havia de gostar de ler Proust que teve a sorte de não precisar dos préstimos de Eça de Queirós e por isso escreveu como bem lhe a aprouve e apetece uma madalena só pelo gosto de passear pelo tempo, com a mesma tranquilidade de quem se perde no Bois de Boulogne.
mas o pobre do Anto só queria saber de pescadores e da carreira do Tâmega
                                     
                                 {um enfado para esta tarde roubada à normalidade e à obediência}

virei as costas, enfiei-me no carro, voei para o aeroporto e sentei-me à espera de um aceno: Júlio Verne devia estar a chegar da volta ao mundo em oitenta dias.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

encontro



encontrei-me por ali com Virginia Woolf, ainda longe de se suicidar. disse-me que a impressionava o excesso de "quartos" que havia agora para as mulheres que escrevem. e a míngua de tempo.
não percebia como era possível escrever ao ritmo alucinante deste início de século tão à deriva.
achei que devia convidá-la para um chá demorado no meu apartamento vazio. só para mim.


domingo, 8 de julho de 2012

tatoo


é sempre na tua margem sul
que o meu corpo
se oferece ao sol
em promessa
inefável.

essa é a memória
da minha pele
por mais tatuada
de rugas que seja.

domingo, 17 de junho de 2012

talvez





nunca é tarde
para revisitar
as palavras
atiradas ao acaso.

talvez uma ou outra
possa ter
acendido uma vela sem mastro.





sábado, 16 de junho de 2012

tessitura





atento aos ínfimos
sinais de neblina
a toldarem-me a memória
com a serenidade
de quem não teme
a corda bamba
ou o precipício
ao virar da esquina
porque cada minuto
que passa
é uma conquista árdua
um remar contra a maré
uma lança no oásis.

cada minuto que
passa é uma linha
entrelaçada na
singularidade do texto.





domingo, 10 de junho de 2012

mãos mortas


Miguel Gayoso

estranho estas mãos
inertes decepadas
anacronicamente
vindimadas por
um curto-circuito
de lâminas.

elas jazem
na margem do rio
ansiando
por uma cheia de luas.



quinta-feira, 7 de junho de 2012

(ainda) frida


Frida Khalo


cada milímetro de 
músculo esticado
até ao limite
da fúria
pronto a rasgar
a pele de uma 
só braçada

cada dente rangendo
todo o esqueleto
da mandíbula
numa raiva
afásica
anos a fio
de emparedamento

cada esgar
enlouquecido
riscando o horizonte
da janela
como um risco de giz
ao invés do sentido
do relógio

despeja sobre a folha
amarelecida pelo vento
um silêncio bilioso
que me sufoca a garganta.




quinta-feira, 31 de maio de 2012

terça-feira, 29 de maio de 2012

toma lá!



tenho um rio à flor da pele que me arrepia a memória. balança entre a contemplação e a revolta numa melodia viscosa a desfolhar páginas e páginas de gritos abafados tal como as cordas de um contra-baixo. estações desertas de comboios. portos sem âncoras. gaivotas sem mar. as cinco horas da tarde já não são de llorca e a metamorfose aconteceu em berlim.
há uma ponte entre paris e mário de sá-carneiro que se me agarra ao pescoço sem tédio. há pedacinhos de ossos na areia. há um concerto de brandeburgo. há um descobrimento por fazer.
há e não há.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

circunstância de modo



já não sei se havia ou não
uma luz ao fundo do túnel
um oceano a seguir à foz do rio
um pão a sair do forno.

sei apenas que as primaveras
eram amenas
os sonhos me enchiam os dias
e os sorrisos de pétalas.
havia palavras que diziam viagens
partidas que anunciavam chegadas
e o sol num horizonte longínquo.

agora que tudo é tão perto
os olhos secam-me
a humidade dos dias.


domingo, 27 de maio de 2012

desnecessidade




Jacques Henri Lartigue


________________  olhar para quê? o caminho faz-se caminhando. _______________________________

sábado, 26 de maio de 2012

abertura



como quem fecha uma porta. entre o azul e o amarelo desenho uma caligrafia sossegada, como sarabanda de Haendel, e escolho um verso de Hölderlin para beber ao fim da tarde.
procurarei permanecer fiel ao sussurro da terra e à ondulação do mar.