sexta-feira, 29 de março de 2013

ao invés de Fénix



há um fosso letal
que separa dia a
dia o corpo ensanguentado
do desejo latente
na alma intemporal
parede medieva
que encerra qualquer
atrevimento de luz
pústulas brotam
nos sonhos
cáries invadem
os olhos
metástases abarcam
o sabor
outrora polícromos
entre a efemeridade
do verbo
e a circunstância
dos nomes
_________________________
assim o texto
se rarefaz silenciosamente
numa cadência
metronómica

segunda-feira, 25 de março de 2013

diálogo poético para uma vida de chuva



rosas de cetim
esgarçaram as cordas
vocais de uma
ilusão naufragada:

                                  - foram pétalas atiradas
                                    a porcos com a precisão
                                    de um monumento à
                                    ignorância reinante.

lançaram-se poemas
vadios das varandas
debruçadas sobre
os rios escritos a sangue:

                                         - foram palavras
                                            imundas que caíram
                                            a pique nos entulhos
                                            meticulosamente desempregadas.


vão-se os sonhos
e com eles a memória
dos dias felizes.

sexta-feira, 22 de março de 2013

estreia absoluta

 
(da net)
 

no intervalo das palavras
irrompe
a ditadura da imagem
colorida em 3 D
que encobre uma realidade
plana secante sufocante
silenciadas as mentes
empobrecidas as gentes
arrancadas as árvores
pela raíz dos barcos
(definitivamente expulsas
da cidade a poesia
do mar a esperança
da alma a loucura).

aprumam-se os bonecos
em desfile bem comportado
preparam-se os garrotes
para a massificação da miséria
monta-se o auditório
para um público de élite
que se prepara em bicos de pés
na fila primeira
para assistir ao enforcamento
dos paisanos
curvados de olhos vendados
por dentro que caminham
em silêncio mudo
para uma morte não anunciada.

e sobrarão alguns livros
para contar a história
deste jardim
à beira-mar dizimado.

quinta-feira, 7 de março de 2013

la lune

 
 la lune (wild is the wind) (40x50) paris, 2012 (collage: Emanuele Balzani; photo: Tony Querrec)
 

também eu prefiro as rosas à pátria. habituei-me à chuva de cristal que fende a pele lâmina de gelo assobios naufragados nas vielas sem nome. nocturnos gemidos erguem-se até à lua mil vezes revisitada por bardos ultra-românticos e eu escapo do vento entre riachos de luz com soluços de contrabaixo. pode trovejar em cima do palco, podem sufocar os actores, pode nada valer a pena de perdigão que eu agarro as rosas pelos espinhos e espalho-as pelo corpo ensanguentado até que a alvorada chegue e se instale estáctica sobre os olhos já cegos.




sábado, 2 de março de 2013